Leishmaniose viceral matou mais do que a dengue desde 2000 até hoje. Veja!
Desde
que a epidemia de dengue se intensificou no país, há alguns anos, todo
mundo ouve o Ministério da Saúde anunciar medidas de combate ao mosquito
Aedes aegypti. Mas pouca gente sabe o que tem sido feito para combater o
Lutzomyia longipalpis, espécie de mosquito-palha responsável por uma
doença que, de 2000 a 2011, causou mais mortes que a dengue em nove
Estados – a leishmaniose visceral.
Também
conhecida como calazar, a doença, que antes era limitada a áreas rurais e
à Região Nordeste, hoje encontra-se em todo o território e, segundo
especialistas ouvidos pelo UOL, está fora de controle. Levantamento
feito com base em números do Ministério da Saúde mostra que, nos últimos
11 anos, a leishmaniose provocou 2.609 mortes em todo o país, enquanto a
dengue foi responsável por aproximadamente 2.847 mortes (veja quadro
abaixo).
O
médico Carlos Henrique Costa, presidente da Sociedade Brasileira de
Medicina Tropical, professor da Universidade Federal do Piauí e autor de
vários estudos sobre a leishmaniose visceral, conta que doença era
considerada tipicamente rural até 1980. A partir de então, a enfermidade
começou a invadir algumas cidades grandes, como Teresina (PI) e São
Luís (MA). Em pouco tempo, passou a afetar áreas urbanas de outras
regiões, como Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Araçatuba e Bauru
(SP), entre outras.
Sudeste
A expansão da
doença no Sudeste, região mais populosa do país, preocupa - os dados
indicam que o total de casos quase dobrou de 2000 para 2011 (foram 314 e
592, respectivamente). E, o que é mais alarmante, o número de mortes
foi quase seis vezes maior: saltou de 9 para 52.
2000 A 2011: MORTES POR DENGUE X MORTES POR LEISHMANIOSE VISCERAL
Unidades da Federação Mortes por dengue* Mortes por leishmaniose visceral**
Rondônia 46 1
Acre 20 0
Amazonas 42 0
Roraima 17 6
Pará 116 153
Amapá 13 0
Tocantins 22 173
Maranhão 114 334
Piauí 35 178
Ceará 258 268
Rio Grande do Norte 85 55
Paraíba 21 31
Pernambuco 136 117
Alagoas 73 58
Sergipe 64 53
Bahia 156 280
Minas Gerais 177 445
Espírito Santo 108 6
Rio de Janeiro 566 3
São Paulo 258 168
Paraná 44 5
Santa Catarina - 0
Rio Grande do Sul - 0
Mato Grosso do Sul 65 194
Mato Grosso 132 45
Goiás 262 28
Distrito Federal 17 8
Fonte: Sinan/Ministério da Saúde
*Atualizado em 31/01/2012 - dados sujeitos a alteração;
**Até 2006 as mortes referem-se a UF de residência; a partir de 2007 foram consideradas mortes segundo UF fonte de infecção
.
A situação mais preocupante é a de Minas, que de 2000 a 2011 registrou
445 mortes pela doença - o número de vítimas da dengue não chega a
metade disso.
O vetor já se
instalou na periferia de Belo Horizonte, segundo especialistas. “Houve
um ‘boom’ de condomínios com grandes jardins e essa terra provavelmente
foi trazida de locais com presença do L. longipalpis”, afirma o
pesquisador Reginaldo Brazil, do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de
Janeiro.
Estudos sugerem
que a leishmaniose visceral canina precede casos da doença em humanos
no Brasil. Se a hipótese for verdadeira, a periferia de São Paulo também
corre risco de virar foco, já que há registros de animais contaminados
em cidades vizinhas como Campinas e Embu das Artes. Cidades um pouco
mais distantes, como Araçatuba, são consideradas endêmicas (casos
ocorrem frequentemente na região) há bastante tempo.
Recentemente,
um foco importante da leishmaniose também foi encontrado em um canil no
cemitério do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro. Segundo a Secretaria
Municipal de Saúde, todos os animais – ao todo 26 cachorros – foram
sacrificados e o ambiente foi dedetizado. “O local vem sendo monitorado
constantemente e nenhum outro caso foi notificado até o momento”,
informou a pasta.
Adaptação
Uma vez que a
espécie de mosquito-palha causadora da leishmaniose visceral acompanhou a
migração populacional para o Sudeste, como um mosquito do campo foi
capaz de se adaptar tão bem ao ambiente urbano?
Existem várias
hipóteses, nenhuma delas comprovada. “Alguns pesquisadores acreditam que
se trata de uma população de vetores geneticamente distinta”, diz
Costa.
Mas também pode
ser que o L. longipalpis seja simplesmente um inseto de fácil
adaptação. “É um vetor robusto, que teve capacidade de se adaptar às
mudanças do homem”, sugere Brazil.
Inseticida
Os famosos
“fumacês” promovidos para combater a dengue não ajudam a combater o
mosquito-palha? Infelizmente, não. O pesquisador do Instituto Oswaldo
Cruz explica que o L. longipalpis é mais noturno - aparece depois que o
fumacê já passou, e os inseticidas usados para controlar o Aedes não têm
efeito residual. “O vetor percebe o cheiro e se esconde”, descreve. Ou
seja: o fumacê pode até desalojar o vetor da leishmaniose
temporariamente, mas não o elimina.
A substância
mais eficaz para o controle do L. longipalpis é o DDT, que também já
ajudou muito o Brasil no combate à malária, mas o composto foi banido
por causar riscos à saúde e ao meio ambiente.
“Os
piretroides, usados atualmente, também são tóxicos para humanos, mas bem
menos que o DDT”, diz a biomédica Clara Lúcia Mestriner, professora
associada de parasitologia da Universidade Federal de São Paulo.
Os inseticidas
disponíveis hoje, no entanto, parecem não ter tanta eficácia contra o
vetor, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina
Tropical. Além disso, há outras limitações, como a possibilidade de o
inseto se tornar resistente.
Material orgânico
Medindo de 2 a 3
milímetros, o L. longipalpis é um inseto que gosta de sombra e material
orgânico em decomposição. A destinação incorreta do lixo, tão comum no
país, é o chamariz perfeito para o vetor. Mas não é o único foco.
Se é fácil
achar o Aedes aegypti, que deposita suas larvas em locais onde há
acúmulo de água, a missão é mais ingrata no caso do vetor da
leishmaniose, cujas larvas podem estar escondidas na terra, ao lado de
um arbusto ou de uma árvore frutífera.
As preferências
e a capacidade de adaptação do vetor fazem com que a doença não esteja
restrita a áreas de pobreza e sem saneamento, apesar do estigma. Mas
essa é a população que continuará a ser a mais prejudicada, já que a
doença é mais grave em pessoas com saúde debilitada e baixa nutrição.
UOL
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